Ainda somos todos os “filhos de Siza”
Os a|UmStudio surgiram quando Carla Leitão e Ed Keller iniciaram projectos de video game em Nova Iorque. De visita a Portugal com alguns dos seus alunos, a arquitecta Carla Leitão falou com o jornal Construir sobre a forma como pratica a sua disciplina e como a analisa. Explicou ainda como é olhar para a arquitectura… Continue reading Ainda somos todos os “filhos de Siza”
Filipe Gil
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Os a|UmStudio surgiram quando Carla Leitão e Ed Keller iniciaram projectos de video game em Nova Iorque. De visita a Portugal com alguns dos seus alunos, a arquitecta Carla Leitão falou com o jornal Construir sobre a forma como pratica a sua disciplina e como a analisa. Explicou ainda como é olhar para a arquitectura nacional desde os Estados Unidos.
Como surgiu o atelier?
O atelier surgiu em 2003, quando conheci o meu parceiro de negócio, Ed Keller, na altura em que fui convidada para trabalhar num jogo de computador online para o qual também foram convidados outros arquitectos. Depois dessa experiência decidimos formar um gabinete coorporativo. Tentámos o mais possível discutir os limites da disciplina, tendo como partida o facto de não haver limites de matéria e de material a partir da qual a arquitectura pode ser construída. Tanto lidamos com programas já estabelecidos como olhamos para programas novos, inventados, com novas tipologias. Temos interesse de ver os novos materiais, e de modificar o espaço. No gabinete tanto lidamos com habitações, como as que fazemos para Portugal, como com programas mutlimédia.
Como é que alguém formado em arquitectura pode participar nesta vertente de jogos online?
Os arquitectos, como pensadores, estão sempre a lidar com uma fasquia temporal muito interessante. Temos que prever novos usos, novas tipologias, projectos que perduram pelo nosso tempo. Sabemos que a obra vai ser construída para lá do tempo em que a projectamos. Nos jogos, em particular, e na participação que tivemos, o objectivo era prever cenários urbanos. Ou seja, definir cenários urbanos futuristas, e possíveis equações de cenários urbanos de uso.
A preparação que os alunos de arquitectura têm em Portugal é suficiente para se envolverem neste tipo de projectos, criando assim uma saída profissional alternativa?
Esperava que sim, mas não. Continuo a achar que somos uma das nações com mais capacidade para sermos intelectuais a sério. Porque somos muito, muito críticos e muito analíticos, sendo também sintéticos, mas essa criticalidade por vezes não nos permite evoluir, vamos para o exagero do criticismo. Essa análise feita de outra forma podia ser muito útil. O problema reside mesmo nisso, pois não vejo o oposto, a parte construtiva, a parte positiva. A sensação vaga que tenho, e poderá ser injusto, mas parece-me que ainda existe um paradigma da construção da disciplina e ainda estamos ligados a uma ideia elitista modernista no ensino. Tem a ver com o saber-se muito bem o que é um resultado final e ainda estamos na ideia da fórmula.
Devia ser mais interdisciplinar?
Bem, nos Estados Unidos o ensino está mais focalizado tem mais a ver com a ideia de partilha e de integridade cultural. Nunca sentimos, em Portugal, essa necessidade de um ter uma maior diversidade cultural, em primeiro por preguiça, em segundo porque o português é uma grande mistura de várias culturas. Sentimos que isso já está integrado. Depois não é bem verdade. Mas temos de começar a ficar mais operacionais e de começar a partilhar o conhecimento, e penso que neste momento estamos com medo de o fazer.
…mas isso tem a ver com a forma como se ensina a disciplina?
Mas mesmo os praticantes têm falta de curiosidade, é estranho – em alguns casos, porque devem existir outros casos fantásticos que não tenho conhecimento –, mas há muitas reacções negativas em que esse negativo não tem a ver com o algo não explicado. Existe uma falta de argumentação, uma falta de substanciação dos argumentos, uma espécie de forma emergente, quase divinal de como as coisas devem ser feitas.
Como tem sido essa experiência de ensino?
Tem sido muito estimulante. Existe uma curiosidade dos alunos por algo que ainda estão a articular. Iniciei o ensino a fazer estúdio de arquitectura. E tem sido muito interessante ter muitas culturas diferentes e as suas formas diferentes de lidar com os problemas.
Qual é a percepção dos seus alunos em relação à arquitectura portuguesa?
É uma percepção variada. Mas existe a apreciação da forma de como fazemos as coisas de uma forma singela. Estamos dentro de uma gaveta de um estilo muito próprio de fazer arquitectura, e nessa somos bons, pois o que fazemos é muito bem feito.
Mas é visto como algo tradicionalista?
É visto como algo que estagnou depois de Siza Vieira. Ainda somos todos os “filhos do Siza”. Trouxe os meus alunos aos escritórios de Siza Vieira e de Souto Moura, e a tal nova geração diz que é engraçado, mas preferem projectos com paredes menos brancas, etc. Mas, claro, estamos apenas a falar de questões de estilísticas unicamente. Existe uma apreciação da arquitectura portuguesa como interessante dentro do seu nicho, do seu paradigma. Mas, curiosamente não é apenas nos Estados Unidos. Um grupo de arquitectos argentinos perguntou-me recentemente se em Portugal ainda se faziam as casas brancas…respondi afirmativamente, o que não é mau mas…
A arquitectura portuguesa arrisca pouco?
Acho que nos comprometemos uns com os outros em não deixar que a coisa não saia muito dali. Mas também tem a ver com a visibilidade, que ainda é dada a determinado tipo de esteriotípos de arquitectura nacional. Sabemos que existem ateliers que fazem coisas diferentes. Deposito uma grande esperança nesse tipo de atitude. Porque acredito muito na capacidade intelectual dos portugueses. Não temos uma atitude comercial defensiva, na maioria dos casos. Trabalhamos o suficiente para que as coisas sejam bem feitas sem grandes preocupações comerciais. Nos Estados Unidos é muito normal gerações muito novas pensarem de uma forma muito comercial.
E depois das visitas aos vários ateliers e às cidades, o que ficaram a achar os seus alunos?
Gostaram muito das cidades, de Lisboa e Porto, que são bonitas naturalmente. E apesar da falta de planeamento ainda não estão estragadas. Quando se visita Lisboa encontra-se temporalidades, e diferentes nichos, não apenas históricos, como culturais e sociais. E depois não existem muitos clichés, na cidade. Em relação à arquitectura, a única coisa que os surpreendeu foi o facto do atelier de Álvaro Siza ser feito apenas com trinta pessoas. A ideia de que um atelier que trabalha à escala global, fazê-lo apenas com esse número de pessoas, foi impressionante para eles. Eles nem perceberam a engrenagem desse processo. Em todo o resto do mundo existe a especialização. Nos Estados Unidos, cada fase do projecto está em ateliês diferentes. Sei que por vezes aqui também, mas lá é mais recorrente.
O vosso atelier tem apenas trabalhos em Portugal e nos Estados Unidos?
Estamos a tentar trabalhar um pouco em todo o lado. Até agora temos construído mais instalações multimédia. Temos um projecto residencial nos Estados Unidos, mas está com dificuldades em avançar. Mas como não diferenciamos o tipo de trabalho. Tudo é oportunidade de pensar, e acabamos sempre por fazer concursos.
E como gerem o facto de estarem presentes em vários mercados?
O atelier é nova iorquino, mas em Portugal estamos também envolvidos com o atelier Umas Ideia. O atelier nunca funcionou como ideia de dupla, é mais uma plataforma colaborativa. Cada projecto que fazemos colaboramos com pessoas que estão ligados a diferentes listas. Como quando fomos convidados para um concurso para projectar um jardim vertical no Schindler Center, e trabalhamos com programadores que trouxeram características muito interessante, ou seja é muito gratificante trabalhar com pessoas de diferentes áreas.
Como define a vossa arquitectura, e a forma como a pensam?
Estamos numa fase de transição, e perceber o paradigma da construção e o que está a mudar. É muito frequentemente encontrarmos um projecto que sabemos que é bom, mas não sabemos porque é bom. Há comportamentos de um projecto que depois podem ser avaliados. Assim, gostaríamos de saber se esse paradigma da construção está a mudar, e de que forma a disciplina continua a ser una. E, definitivamente lidamos com espaços virtuais, o espaço mental e o espaço físico. E há uma complexificação com os espaços que podemos escolher trabalhar.
Que argumentos daria para um jovem arquitecto ir ter uma experiência profissional fora de Portugal?
Acho que, actualmente não é necessário dar argumentos porque toda a gente quer ir para fora. Há uma grande curiosidade de perceber o que se está a fazer lá fora. Esperaria sim que se começasse a considerar o estar cá dentro. Ou seja existem tantas fricções tão interessantes dentro do país que, há partida, as pessoas deveriam sentir que o estar fora e dentro ao mesmo tempo fosse mais interessante. Tentassem não sentir o peso do contexto, mas por outro lado sentissem a riqueza do conceito de uma forma mais produtiva. Ver o país mais da perspectiva de fora. A curiosidade de acreditar em algo que ainda não o é. E é muito interessante, pois a nível conceptual há muitas propostas para propor aquilo que já se sabe.